Contos

Seu Parnaíba X Dona Diquinha

Seu Parnaíba e Dona Diquinha do Parnaíba era um casal que convivia há mais de 60 anos de casados, mas viviam em pé de guerra e travavam brigas notáveis; Ela vivia para lá e para cá; com uma bengala, arrastando seus 82 anos, que a deixara curva, ou como ela mesma dizia, há muito havia quebrado sua coluna. Cabelos  branquinhos, sempre muito bem peteados; sua cara era a cara da vaidade. Ousava até se maquiar, sempre buscando melhorar, o que no seu caso, não era muito recomendado, pois ela não tinha o traquejo da arte de se pintar. Mas diante da sua inocência, ou desconfiança de que o resultado da pintura pudesse não ter o efeito desejado, sempre perguntava a uma de suas filhas se havia ficado bom.

— Mamãe! Pelo amor de Deus, não faça isso. Oh Taramã, venha ajudar sua vó aqui ligeiro.

Ele, na altura e sabedoria dos seus 93 anos, estava mais inteiro física e mentalmente, quando comparado com Dona Diquinha do Parnaíba. Dono de uma memória extraordinária, lembrava de histórias do início de sua vida tenra até chegar na altura dos 93 anos.  Excelente cozinheiro e fazedor do melhor café da rua, embora não gostasse, de café; sem esquecer o carneiro cozido, que seus filhos e parentes comiam rezando e pedindo perdão pelo pecado da gula.

No casamento, o casal, Seu Parnaíba e Dona Diquinha do Parnaíba, tiveram sete filhos; do mais velho para o mais novo, Itajinoam, Analice, Renildo, Regino, Minoara, Hilda, Ozenildo e ainda criaram uma neta, Taramã. Dona Diquinha costumava dizer que nunca gostou do Seu Parnaíba; e Minoara a contrapunha dizendo não entender como isso era possível, afinal de contas era uma relação de mais de 60 anos.

Mamãe, não gostava! E como vocês tiveram sete filhos?

— Era o vei que me procurava.

Foi que  respondeu Dona Diquinha Parnaíba com um leve sorriso no canto da boca, como a aprovar a safadeza do velho Seu Parnaíba. Ela aproveitou e contou como se deu o casamento dos dois. Ela havia sido prometida para o então garoto Parnaíba, pelos seus pais; casou desta forma, a contragosto. Conta ela que enquanto solteira, vivia uma vida boa; sem passar necessidade e que após o casamento, fome não passou, é verdade, mas comeu o pão que o diabo amassou com tanta fartura de coisa pouca. O primeiro passou em falso, se deu quando eles foram morar no oco do mundo. Onde a fartura se limitava a mato e muita poeira. Foi quando então, decidiram sair daquele inferno e partiram em aventura, para um lugar que lhes proporcionasse melhores oportunidades. Foi assim então, que eles vieram parar, por sorte ou por azar, em Cipó de Algas. No início foi muito difícil também, mas com o tempo, Deus deu uma abrandada na situação dos dois. Paranaíba se empregara numa repartição com todos os direitos garantidos, embora o de não atrasar salário, fosse duvidoso. O primeiro filho,  Itajinoam ajudara bastante na construção da casa, pois ajudou o seu pai a levantar as paredes de taipa, amassou barro para o piso e subiu muita escada para fazer a cobertura do pequeno imóvel.

E a vida seguia, entre as procuras do Seu Parnaíba junto a Dona Diquinha do Parnaíba e os reclames dela; quando eles se espantaram,  já eram sete filhos povoando a casa. Certo dia eles entraram num pau de briga e ele disse a ela que só se casou com ela, porque pensou que ela tinha dinheiro; ao que ela respondeu de forma veemente.

— Seu Parnaíba, se eu tivesse dinheiro não tinha casado contigo vei.

E assim conviviam os dois, com seus eternos entreveros; somente na doença de um ou de outro é que havia trégua; quando era ele o doente, ela perguntava toda hora para os filhos, como estava o vei; quando ele sairia do hospital. Ele, apesar de ser bruto com ela, devido ao excesso de conversa dela, era ele quem fazia o almoço, já que reconhecidamente, ele era um excelente cozinheiro. E não só preparava a comida, como também, a servia.

— Vem Muié, vem pra mesa que o de comer já está no ponto. É carneiro!

Imediatamente se escutava o toc, toc da muleta de Dona Diquinha rumando para a mesa. Ao sentar-se, ela começava a contar histórias do passado, em sua maioria, histórias trágicas, de morte de membros da família, desgraça com o vizinho de outrora, o que despertava a impaciência do Seu Parnaíba.

— Muié, para com essa conversa besta, que o diabo da comida vai esfriar.

— Oh Seu Parnaíba, não falar assim comigo e nem amaldiçoa a comida, vei do diabo.

Mas, Dona Diquinha do Parnaíba continuava com suas histórias e arrumando a maior frusupupia com Seu Parnaíba. Ela contava a história de uma sobrinha sua, nas palavras dela — muito bonita, elegante; porte de rainha — havia sido convidada para uma festa na casa de uns parentes. A um certo momento, um homem começa a cercá-la, a puxar muita conversa, a dar-lhe muita atenção, mostrando-se bastante interessado pela tal sobrinha dela. Conversa vai, conversa vem, o rapaz pergunta a moça:

— Tu é solteira ou casada, moça?

— Eu sou é virgem; virgem!

Foi o que respondeu  a moça aos gritos, para que todos a ouvissem. Seus pais morreram de vergonha e começaram a sacudir a cabeça em sinal de desaprovação. As tias cochichando pelos cantos do recinto e alguns mais jovens a sorrir, pelo comportamento estúpido, daquela moça. Logo em seguida, passados alguns dias, começou os fuxicos e disse me disse, de que a moça na realidade, não era das mais mulheres, ela gostava mesmo era de chupar um grelo. Mais uma vez Seu Parnaíba interrompe Diquinha do Parnaíba, ordenando que ela termine logo de comer o seu almoço, alegando que carneiro frio não é bom e nem faz bem. Diquinha botou o resto de comida que ainda tinha em seu prato e deu escondido para a pequena cachorra da casa, que fora trazida por uma neta que morava com o casal; na realidade, Seu Parnaíba e Dona Diquinha do Parnaíba, criaram essa neta, filha do seu filho caçula, Ozenildo, e que foi fruto de um casamento que durou muito pouco.

— Cordiabo Muié, que essa tua conversa nunca tem fim. E para de botar de comer pra essa cachorra que tu vai matar ela — foi o que resmungou Seu Parnaíba, subindo as escadas e rumando para a sua rede para tirar aquela soneca depois do meio-dia, como era de seu costume. Movimento que também foi seguido por Dona Diquinha que disse:

— Eu também vou tirar um soninho Seu Parnaíba.

— Pois aproveita e tira logo o sono eterno — Respondeu Seu Parnaíba.

Sua filha Minoara, grita lá da sala, ao escutar a frase do pai em relação a mãe, pedindo que ele não diga esse tipo de coisa para a sua mãe.

— Oh pai, não diga isso para mamãe!

Chegando o final da tarde, a filharada começou a chegar na casa do casal Parnaíba; como costuma acontecer todos os dias; a grande maioria, com exceção do Regino,  pois fora ganhar a vida para as bandas de São Paulo, já havia muitos anos. Por volta de dezoito horas todos já estavam aboletados na porta da casa. Seu Parnaíba sentado em uma cadeira de balanço, em volto a toda a interação da filharada.  E logo em seguida chegava Dona Diquinha, que sempre tomava um bom banho, se perfumava e vinha por cima dos panos. E era nessa reunião informal, que surgiam todo tipo de relatos, ocorrências e muitas mentiras. Renildo começou a contar a sua, sobre um amigo seu, meio mole para a mulher, que recebia o salário e o guarda sob uma pedra, que ficava dentro de um banheiro instalado no fundo do quintal da casa. Fazia isso sempre que recebia o salário para que a mulher não o tomasse todo dele, já que ele não tinha coragem de enfrentá-la, honrando as próprias calças. O problema é que um certo dia, ao fazer a manobra para esconder um valor de oitocentos cruzeiros, um macaco prego, criado pela família, havia já algum tempo, observou todo aquele movimento, sem que ninguém o visse; dois dias depois, esse indivíduo recebeu a visita de um dos seus filhos, que perguntou ao pai se ele tinha dado alguma cédula de dinheiro de brincadeira para o macaco. Regino estranhou a pergunta e foi atrás do macaco; e o encontra próximo a um monte de pedaços minúsculos de cédulas de cruzeiro. Em ato contínuo, ele corre imediatamente até o local que costumava esconder o dinheiro e onde colocara recentemente oitocentos cruzeiros. O local estava vazio. O sangue subiu-lhe a cabeça; buscou algo que ele pudesse bater no macaco, alcançando um velho pedaço de pau e saiu em disparada, aos gritos, atrás do macaco.

— Vem cá macaco filho da puta, que eu vou te ensinar a contar dinheiro!

O filho de Regino o impediu do intento vingativo com relação ao macaco, mas recomendou ao pai, que o entregasse ao instituto ambiental que pudesse cuidar do animal; o que não adiantou muito, uma vez que o instituto cobrou uma taxa de setecentos cruzeiros para fazer a inserção do pequeno animal no programa de reabilitação e devolução ao meio ambiente, além de multa.  O dono do pequeno malfeitor preferiu deixá-lo no primeiro matagal que encontrou e deu por solucionado o assunto. É claro que tal fato provocou atos risíveis por parte dos observadores do ocorrido com Regino, que ganharam fama por um bom tempo.

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