Contos

Aliança

Itaginoam se casara aos vinte e oito anos; botara aliança, mas não demorou muito com ela. Em uma viagem, ao tirá-la para jogar pebolim, no aeroporto de Salvador, enquanto passava o tempo para esperar uma conexão, ele a esqueceu por sobre a lateral da mesa do brinquedo de jogar; diga-se de passagem, um dos brinquedos mais idiotas que ele já usara. Dias depois, após o retorno da viagem, é que Itaginoam percebera que estava sem o tal adorno, depois que sua, hoje, ex-mulher cobrara-lhe a ausência do símbolo matrimonial. Só aí então é que ele percebera que havia apenas a marca em seu dedo. Ele explicou o que havia acontecido e a vida seguiu seu curso, após ele dizer à sua, hoje ex, que a partir daquele momento ele não mais usaria aliança. Alegara que além de incomodar fisicamente o seu dedo; sem contar que o sabonete que costumava ficar preso entre o metal e o dedo também era muito chato, ele não sentia nada. Aquilo não representava nenhuma simbologia que de fato ele se sentisse encaixado. Não passava de um pedaço de metal que incomodava seu dedo. Não se sentia encaixado em qualquer tipo de representatividade que pudesse ter aquele pequeno pedaço de metal no seu dedo. Não se sentia preso a qualquer laço. Não havia sentimento, carinho, devoção, amizade ou algo parecido, que pudesse representar algum tipo de ligação. Muito pelo contrário, aquele pequeno pedaço de metal representava um imenso vazio. O vazio solitário. Não se sentia preso a nada nem a ninguém. Aqueles  aproximados seiscentos gramas de ouro, pesava uma tonelada em sua consciência e não  representava qualquer tipo de valor, por menor que fosse ou por mais simbólico que fosse; portanto, não fazia sentindo então, continuar a usar aquela argola, que servia apenas para que ele se sentisse estranho; e de certa forma, falso.

Por parte da sua então esposa e hoje ex, não houve qualquer tipo de problema ou cobrança, nem mesmo desconfiança. Itaginoam seguiu sua vida; se separou e, trinta anos depois, com uma tentativa infrutífera nesse intervalo, ele encontra alguém. Alguém que além dos longos e ondulados cabelos negros e aquele sorriso que o encantou à primeira vista, ele tinha um grande prazer em encontrá-la; de vê-la e de escutá-la. Em princípio, pareciam coisas simples; situações banais de um cotidiano frugal. Poderia ser até uma simples paixão; passageira e afogueada pelo belo corpo, feito para o pecado. Mas, poderia ser outra coisa. Ele conhecera pela primeira vez, o amor. Descobrira o que até então, era o grande mistério e só conhecia através das histórias dos livros e filmes. Sim, existe o amor, constatou Itaginoam, que após um ano e meio de relacionamento, tinha absoluta certeza do que queria e do que havia encontrado. Casou-se com sua amada. Mas ele fez questão de dizer de antemão, que jamais usaria aliança e explicou os seus velhos motivos. A amada entendeu a situação e não criou qualquer tipo de obstáculo, mas, disse que ela fazia questão de usar, porque gostava da simbologia da aliança e do que ela representava, para que todos soubessem de que ela era casada. E assim foi. Ao procurar um joalheiro, e conversa vai e conversa vem, o joalheiro o convencera a também comprar uma aliança, que ao receberem os símbolos, com nomezinhos gravado e tudo  mais; ao botar a aliança no dedo, Itaginoam teve uma sensação diferente de tudo que sentira até então. O brilho do metal, a gravação do nome da amada na parte interna da argola, que ele a toda hora fazia questão de tirar para ler e reler o nome da sua amada. Sentia-se diferente. Sentia-se bobo, sentia-se amarrado, casado, ligado e simbolizado com a tal aliança. Sentia-se, porque não dizer, orgulhoso pelo momento, pela simbologia, pelo amor e pela bela mulher que Deus colocara em seu caminho.

Ao reconhecer tudo aquilo, disse à sua amada que iria ao mercadinho para buscar uma  bebida para celebrarem o novo momento; e chegando ao mercadinho, durante as compras, entra no recinto, um ladrão portando arma de fogo e pede os pertences de Itaginoam, que reage, leva um tiro e vem a perecer ali mesmo, tendo sua aliança arrancada do dedo de qualquer forma. Passados alguns anos daquele ocorrido, sua mulher ainda duvidava se Itaginoam portava mesmo a aliança durante o assalto ou se ele fora roubado de fato durante o assalto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *